terça-feira, 18 de outubro de 2016

M E M Ó R I A S  D E  U M  E X - C O N S U L T O R  E M  L I N U X

a g o r a   j á   p o d e   s e r   d i t o


Prefácio

Não é minha intenção desencorajar ninguém a enveredar pelo caminho da
consultoria e da prestação de serviços. De qualquer forma, se o efeito
emocional líquido da leitura desse documento acabar sendo o supra-citado,
não aceitarei reclamações ;)

Falando sério agora, acredito mesmo que o futuro é a prestação autônoma de
serviços. O modelo open-source de desenvolvimento de software conduz a isso. Ao
contrário do que alguns fatalistas dizem, o modelo open-source *não* diminui o
"PIB software" nacional ou mundial. O que acontece é que esse PIB é
pulverizado entre inúmeros indivíduos, ao invés de ser centralizado em uma
grande entidade como a Microsoft (eventualmente ladeada por inúmeras
empresas-satélites "certificadas").

É provado que qualquer entidade que faça uso da informática gasta muito mais
nos respectivos serviços do que em software. Se você não acredita nessa
premissa básica, basta pensar em quanto custa, por ano, um funcionário de CPD
que ganhe apenas $2000/mês mais encargos de até 100% sobre o salário-base.
Para bom entendedor meia palavra basta, e o argumento acima seria mais que
suficiente para acabar com a discussão sobre se "o open-source é um ceifador
de empregos". É sim, sem dúvida, um ceifador de empregos e serviços sem valor
agregado.

Aí alguém poderia perguntar "e qual a vantagem de usar Linux se o chamado TCO
- custo total de posse - praticamente não cai ?". Fácil:

- A presença do código-fonte do sistema dá uma condição excepcional de suporte
ao produto, visto que, em caso de haver problemas, não é necessário ficar
adivinhando o que está acontecendo; pode-se ir direto ao fonte e estudar o
funcionamento da coisa. Não foi uma nem duas vezes que eu, particularmente, o
fiz para acabar descobrindo que o "defeito" era na verdade má configuração de
minha parte.

Quem já precisou fazer uso de suporte telefônico de QUALQUER empresa de
software sabe que tal serviço não serve para nada. A não ser que seu problema
seja tão sério e tão proeminente que consiga chamar a atenção dos
engenheiros de desenvolvimento. (Lembro-me de ter conseguido excelente suporte
quando comprei o Java WorkShop 1.0 da Sun, justamente porque os problemas que
eu estava tendo, bem como as ricas descrições que eu produzia, foram
analisados/utilizadas diretamente pelos engenheiros do produto.)

E, devido à crescente complexidade dos sistemas, cai no vazio o argumento de
que "o produto comercial é mais bem-feito e não precisa desse tipo de
'facilidade'". Precisa sim, ou melhor, precisaria, já que sem o código-fonte,
a única saída é a cansativa maratona de tentativa-e-erro. Qualquer pessoa que
trabalhe com instalação de Windows 9x/NT sabe de que estou falando ;) A
presença do código-fonte dá uma condição DETERMINISTA de suporte - a solução
está ali, em algum lugar, e geralmente é preferível procurar o problema do que
ficar fazendo tentativas aleatórias.

- Como o software é livre, é desenvolvido por um comitê de individuais, que
geralmente também são usuários do produto. Isso faz com que o produto torne-se
cada vez melhor para os usuários. Nenhum interesse "estranho" (e.g.
criação ou manutenção de monopólio, efeitos colaterais "acidentais" a produtos
de terceiros) à técnica interferirá no desenvolvimento do produto open-source.
É como uma cooperativa. Não existe tráfego de moeda corrente entre os diversos
usuários desenvolvedores, mas de fato existe uma sinergia econômica entre
eles. E todos ganham com isso.

Os céticos lembrar-nos-iam do risco (real) de "splitting", ou seja, que duas
ou mais facções divergentes acabem separando-se e criando várias versões
diferentes do mesmo produto original. E o exemplo mais gritante de splitting
seria o próprio UNIX, que existe em inúmeros sabores incompatíveis entre si.

Sobre isso, eu diria que o espalhamento do UNIX foi majoritariamente promovido
por interesses corporativos i.e. o atrito entre os diversos fabricantes de
hardware é que provocou esse problema. Na ausência dessa pressão, podemos
notar inclusive que correntes completamente separadas de desenvolvimento do
UNIX - BSD e Linux - estão, lentamente mas realmente, convergindo.

E os próprios fabricantes de hardware estão agora promovendo o Linux em suas
respectivas plataformas, porque finalmente descobriram o óbvio: é muito mais
produtivo concentrar-se no negócio principal (hardware) e usar um sistema
operacional padrão, do que cada um deles financiar o desenvolvimento do seu
próprio SO que em última análise existe apenas para justificar a venda do
hardware...


E por acreditar que o open source vencerá, e que o provável ganha-pão dos que
militam ou virão a militar na área da informática será quase que
exclusivamente a prestação de serviços, é por tudo isso que eu escrevo este
pequeno texto. Para que, baseados em minha pequena experiência como
consultor, outros possam ter uma vida profissional feliz, produtiva e
lucrativa na medida do possível e do moralmente correto - evitando alguns
percalços em que eu acabei me enroscando por inexperiência ou boa-fé. (Bem,
boa-fé costuma ser *sinônimo* de inexperiência, nos dias de hoje ;)




0) A POLÍTICA

A convivência com clientes é um processo político. Cada um tenta puxar a brasa
para sua sardinha, mas eventualmente tem de ceder alguma coisa para o outro
lado. Como em geral as pessoas que trabalham em áreas técnicas não têm muito
talento político, costumam cair nas mais primitivas armadilhas do gênero. Com
esse texto, não pretendo em definitivo esgotar o assunto. Não sou nem de longe
um habilidoso político. Apenas quero relacionar algumas experiências, boas e
ruins, particulares e de terceiros, que eu vejo repetirem-se com "n" pessoas da
área.




1) FREE SPEECH, NOT FREE BEER

(Liberdade de expressão, e não cerveja grátis)

Essa é a primeiríssima noção a ser absorvida por você consultor Linux.
Você precisa ganhar dinheiro, sem ofender a liberdade alheia. Se alguém
invocar a expressão "free software" e com isso pretender extrair de você ajuda
ou serviços gratuitos, é a SUA liberdade é que está sendo ameaçada.

Não pense que isso é raro e "que as pessoas têm bom-senso e nunca vão me pedir
para prestar serviços ou responder perguntas de graça!". Isso acontece todo
dia, e você não fará outra coisa que não atender essas pessoas se tiver
dificuldades em entender e PRATICAR o "not free beer". Ainda, tenha a absoluta
certeza que no exato momento em que você quiser começar a cobrar pelos seus
serviços, deixará um rastro de gente ofendida que recusar-se-á terminantemente
a pagar pelos seus préstimos.

De qualquer forma, é um teste de pré-seleção de clientes que funciona bem. Em
geral, possíveis clientes que tentam lhe extorquir serviços gratuitos serão os
mesmos que, sob um contrato oneroso, atrasarão seus pagamentos ou vão chorar a
morte da bezerra no momento do pagamento.

*Existe* a chance de que um cliente honesto que eventualmente lhe fazia
perguntas por telefone, passe a pagar por tais serviços depois de uma boa
conversa. De fato, isso aconteceu comigo. Havia uma empresa da qual eu era
ex-funcionário de longa data, e eu tinha alguns amigos lá. De vez em quando,
eles me faziam uma ligação ou mesmo pediam que "desse uma passadinha lá
para ver um negócio esquisito". Quando achei que era hora de parar com isso,
conversei com o dono da empresa e (surpresa positiva) fizemos excelentes
negócios a partir dali. Por outro lado, *nenhuma* outra pessoa ou entidade que
pediu ou tentou pedir suporte gratuito cogitou em fazer negócios comigo.

Você poderia dizer que, devido à fama de gratuidade do Linux, as pessoas
tendem a achar por inexperiência que os respectivos serviços também são
gratuitos. Eu não acredito muito nisso. Até acredito se é um garoto de 14 anos
que me liga perguntando alguma coisa (e, nesses casos, eu geralmente
respondo - aliás, o garoto agora tem 19, e sabe mais que eu! Valeu a pena :)

Mas pode apostar que 90% dos que pretenderão seus serviços gratuitos
serão entidades bem constituídas ou pessoas no seu melhor juízo comercial e
financeiro, que em suas vidas particulares não soprarão sequer uma vela de
aniversário 'pro bono'.

(Nem sempre serão "clientes" que vão tentar fazer isso. Eventualmente alguns
"amigos" também tentarão se prevalecer de seus conhecimentos e até de seus
recursos materiais como livros, CDs e coisas do gênero. E geralmente sucede
ainda que, enquanto você perde fins-de-semana e feriados dando duro para
aprimorar seus conhecimentos, eles estarão tomando cuba-libre na praia mais
próxima, acompanhados de belas mulheres que não querem saber de "nerds".
Colocados os fatos, você julga se deve ou não servir de help-desk a tais
amigos.)

Mas então, nunca se deve fazer nenhum trabalho gratuito/voluntário ?

Pelo contrário, deve-se fazer "logo e sempre". Afinal, tudo quanto se refere a
open-source - os programas em si, documentação, tradução, artigos, advocacia -
é trabalho voluntário. Em minha opinião pessoal, todo aquele que ganha a vida
direta ou indiretamente com produtos open-source deveria dedicar de 5% a 20%
do seu tempo útil em trabalho voluntário pela causa.

Você deve dar preferência a trabalhos que beneficiem a comunidade como um todo:

- Aquele HOWTO que salvou seu rabo, lembra ? Pois bem, escreva HOWTOs,
artigos, mini-HOWTOs sobre aquilo que você tem mais conhecimento. Assim, você
estará beneficiando a todo mundo, está se tornando conhecido (o que é
importante para os negócios, também) e aquilo que você escreve hoje, pode
ajudar a você mesmo amanhã.

- Se você assina alguma lista de discussão como a Linux-BR, responda a algumas
perguntas por mês. O número de respostas que você pode dar depende do seu
tempo livre; pode variar entre uma por semana e 5 por dia. O importante é
ajudar quando puder. Embora isso a priori contrarie o que eu disse antes -
porque você está ajudando um indivíduo em particular - mas sua resposta
abrilhantará o histórico da lista, e será uma fonte valiosa de conhecimento
para muita gente.

Quem sabe você não tenha um dia a mesma satisfação que eu tive, quando tive
uma dúvida e não encontrei a resposta em nenhum canto da Web. Finalmente, fui
pesquisar o histórico e encontrei uma resposta que respondia "como uma luva" à
minha pergunta. Detalhe: EU MESMO tinha redigido a resposta, há um ano atrás.

- Tome parte em projetos de tradução e internacionalização.

- Se tiver tempo e capacidade, faça programas e/ou aprimore programas
existentes. Não o faça aleatoriamente - faça-o para atender uma necessidade
sua bem conhecida, e então libere sua obra para a comunidade.


O que eu jamais faria é responder pessoalmente a perguntas cujas respostas
estão prontamente disponíveis na Internet ou até no próprio CD-ROM do Linux.
Gosto de usar exemplos extremos como ilustração. Você e aquele outro consultor
concorreram pelo mesmo trabalho. Como você cobra $45/hora e ele cobra
$15/hora, ele ganhou. Você gasta dinheiro com livros, passa o fim-de-semana
lendo os e-mails da lista de discussão e documentos on-line, e também tem um
laboratório com 2 ou 3 computadores para fazer testes. Graças à esse aparato,
você tem condições de resolver qualquer problema comum rapidamente. Aí o
telefone toca e aquele consultor "amigão", que vai para a praia todo
fim-de-semana com a namorada de plantão, quer que você lhe dê uma explicação
(rápida e precisa) de como configurar o DNS como autoridade de domínio. Você
atenderia ?




2) FOCO DE CONHECIMENTO

Como se ser consultor já não fosse suficientemente melindroso, ser consultor
em Linux ou em produtos open-source tem uma cota adicional de complicações. Um
dos problemas mais sérios que eu enfrentei como consultor, infelizmente é o
resultado natural de um fato real.

A maioria dos consultores e usuários avançados de Linux são pessoas de amplo
conhecimento e experiência na área de informática. Isso é herança do tempo em
que o Linux era realmente mais complicado que, por exemplo, o Windows NT.
Um guru ou semi-guru em Linux terá certamente conhecimentos profundos de
TCP/IP, programação e outras coisas mais, certo ?

Muito bem, isso faz com que as exigências de conhecimento sobre um consultor
Linux sejam MUITO maiores do que sobre um consultor Windows ou Netware. O
mercado têm realmente pressuposto que o consultor Linux seja capaz de tudo,
desde criar um sistema corporativo até montar um provedor Internet (e saber
configurar de cor e salteado os roteadores e equipamentos dedicados do
provedor, seja já de que marca forem !!!).

Ora, não está escrito em lugar *nenhum* que um consultor Linux seja obrigado a
saber configurar o roteador XYZW, nem que seja capaz de fazer o Linux rodar
naquele Pentium/100 cuja memória cache seja de má qualidade.

Por outro lado, veja o programa de certificação da Microsoft. Mais de um
jornalista da área já apontou que os testes de certificação MS dão pouquíssima
atenção à Internet e aos protocolos TCP/IP, muito embora seja essa uma área em
que *todo* consultor que se preze deveria ter profundo conhecimento. Um bom
teste seria comparar o quanto um consultor NT médio e um consultor Linux médio
sabem a respeito do NetBIOS, sendo que o Samba é *um* dos milhares de serviços
que podem rodar no Linux enquanto o File and Printer Services do NT, baseado em
NetBIOS é o *grande* chamariz do NT.

Se o consultor NT sabe configurar uma rede singela com serviços compartilhados
sem senha, fez seu trabalho. Se o consultor Netware instala o servidor de
arquivos e configura as impressoras e os trustees, também já fez seu trabalho.
E o consultor Linux tem de conhecer todo o resto, inclusive interoperar com NT
e Netware, e concomitantemente conhecer tanto ou mais que os demais
consultores sobre OS SISTEMAS OPERACIONAIS DELES. Do contrário, "o cara do NT
fez o trabalho direitinho mas você é incompetente e o Linux é uma droga."
Alguma coisa está errada, definitivamente.

Más notícias. Se você mirar-se pelos consultores NT e Netware, não conseguirá
trabalho. Por outro lado, é justo que você compense o esforço adicional em
obtenção de conhecimentos cobrando um valor/hora ligeiramente superior ao
deles. (Isso será discutido num próximo tópico.)

Continuando, quem contrata um consultor Linux espera que ele seja capaz
de resolver qualquer problema, mesmo em outros sistemas operacionais. É certo
que você deparará com sistemas ou situações para as quais não estava 100%
preparado. Alguns conselhos:

- Admita imediatamente que você não tem solução mentalmente armazenada para o
problema do cliente.

- Você poderá simplesmente recusar-se a atacar o problema, e orientar o
cliente a contratar outro consultor especializado. Se o monitor de vídeo do
cliente queimou, não é razoável que você seja obrigado a formar-se em
Engenharia Elétrica - por sua conta, não por conta do cliente - e então vá
consertar o monitor cobrando 2 horas técnicas por isso. (Ok, o exemplo é
extremo, mas você entendeu a mensagem.)

Exemplo: problemas com dispositivos de hardware. Se você meter-se a mexer no
hardware do cliente, poderá não ter sucesso e ainda por cima ser
responsabilizado por eventuais danos, quer tenham sido provocados por você ou
não.

- Opcionalmente, se você acha que é capaz de estudar o problema do cliente e
resolvê-lo, porém trata-se de uma situação ou sistema particular daquele
cliente, é razoável que este pague pelas horas que você despender estudando o
caso. NEGOCIE ISSO DE FORMA CLARA COM O CLIENTE. Se você não o fizer, é 99.5%
certo de que você não conseguirá cobrar pelas horas despendidas em estudo
off-site.

Exemplo: clientes com necessidades exóticas de interoperabilidade.

- Se, resolvendo o problema do cliente, você adquiriu conhecimento extra que
lhe será útil no futuro, então é razoável que o cliente pague apenas uma parte
ou mesmo não pague as horas despendidas no estudo do problema. O segredo é
perguntar-se sempre: "Sou obrigado pela profissão a saber como isso funciona
?". Note que a resposta para essa pergunta pode mudar com o tempo (geralmente
de NÃO para SIM, na medida em que periféricos caros tornam-se mais baratos
etc.)

Exemplo: cliente quer que você instale o Linux numa máquina com RAID. Você
faz uma apuração prévia de compatibilidade (gratuitamente) e depois solicita
fazer um teste de instalação sem compromisso de sucesso (o cliente pagará
essas horas de teste apenas mediante o "sinal verde" para instalação
definitiva). A máquina RAID passa a abrilhantar seu currículo.




3) PREÇO E FORMA DE CONTRATAÇÃO

Por força do fator descrito no tópico anterior, considero, particularmente,
que um consultor Linux pode e deve cobrar um valor/hora mais elevado que um
consultor Netware ou NT "equivalente". A questão é se você vai conseguir fazer
isso na prática.

Na prática, você é um consultor independente em Linux, que vai ter de cobrar
menos que um consultor NT, pois este é certificado pela Microsoft e filiado à
empresa ABC. Os predicados deste último dão ao cliente uma sensação
psicológica de segurança, segurança pela qual ele pagará caro e de bom grado.

Nós, técnicos, sabemos que isso é uma ilusão - empresas de consultoria
contratam profissionais medíocres por salários muito baixos, do contrário não
dariam tanto lucro. Colocam nele um crachá de "consultor" e mandam-no para o
cliente. O pior que pode acontecer é o cliente desgostar-se do trabalho do
"consultor", aí a empresa ABC cobra apenas 60% das horas faturadas, e fica
tudo bem. Mal sabe o comprador do servico que pagou de 8 a 30 vezes mais do
que pagaria se contratasse aquele consultor Linux "que não inspirava
segurança."

Enfim, tudo isto está mudando para melhor, na medida em que os compradores de
serviços ficam mais atentos. Mas ainda é o cenário dominante em que
trabalhamos.

Quanto maior o valor/hora que você cobrar, mais selecionados serão seus
clientes. Tenha a mais absoluta certeza de que, se você trabalhar a $10/hora,
terá mais problemas de inadimplência e má-fé por parte de seus clientes, do
que se cobrasse $65/hora. O grande problema é que, se você selecionar demais,
acabará sem clientes... enfim, você terá de encontrar um ponto de equilíbrio,
cujos "pesos" serão os seguintes fatores:

- Seu próprio conhecimento. Quanto mais conhecimento e experiência detiver,
mais você poderá cobrar, pois poderá atender clientes mais exigentes, de
maior porte ou mais necessitados. E, cobrando bem, você automaticamente estará
livre de trabalhos "chatos", repetitivos, que não desafiam seus conhecimentos
e por isso mesmo poderiam ser feitos por alguém um pouco menos capacitado, que
fará o serviço alegremente por um valor/hora menor;

- Localização geográfica. Não adianta você ser um guru Linux no meio da
Amazônia, a não ser que você trabalhe para alguma grande empresa que lá
esteja. Em cidades pequenas, se você for o único que conhece um pouco mais de
informática, poderá fazer muito dinheiro. Em cidades grandes, existe um
grande concentração de empresas que demandam mão-de-obra qualificada. Em minha
opinião particular, as piores cidades são as médias, por fatores que
descreverei mais adiante em tópico dedicado.

- Saturação de mercado. Se em sua cidade os consultores resolveram trabalhar
no limite da inanição, sugiro que mude de cidade e volte dali a 10 anos,
quando os demais consultores já morreram de fome ou foram trabalhar na
construção civil. Veja parágrafo abaixo.

- Seu conhecimento futuro. Você precisa ter dinheiro sobrando para financiar
seu aprendizado constante. Do contrário, você estará fora do mercado em dois
anos. Se sua renda não financia sua reciclagem, você pode a) diminuir o número
de namoradas, se for o caso; b) se você só tem apenas uma namorada ou esposa e
é comedido nas despesas, o problema é mais sério. Ou você revisa seus preços,
ou muda de cidade, ou vai trabalhar com pedreiro ou feirante, profissões que
não exigem muita reciclagem, não causam stress e de quebra lhe permitirão
pegar uma cor legal sem gastar uma fortuna com bronzeamento artificial
(pessoalmente, gastei um monte com bronzeamento artificial e não adiantou
nada...)


Uma outra coisa interessante na relação cliente/fornecedor. Se você começou
cobrando $20/hora de um cliente, não espere poder majorar esse valor tão cedo,
a não ser que você viva num país cuja inflação seja 20% ao mês. Geralmente o
que acontece é que você vai se tornando um consultor mais capacitado, e vai
conseguindo cobrar um valor/hora cada vez mais alto dos novos clientes. Mas,
para aquele cliente velho, você continua executando trabalhos de menor valor
agregado.

A única forma de resolver isso é uma ruptura: conversar direitinho com seu
cliente antigo, dizendo que você não faz mais certas coisas, e que os novos
trabalhos sairão mais caros. É claro que você tem de contar com a
possibilidade de seu cliente antigo ficar magoado e romper o contrato. Aí,
você deve ter a condição de preencher as horas vagas com novos clientes, de
preferência pagando mais que o antigo.

Exemplo real: eu era gerente de informática de uma empresa, e quando saí,
simplesmente dividi o meu salário pelo número de horas mensais de expediente.
Abdiquei da minha renda sem abdicar quase nada da responsabilidade anterior.


A mensagem final é: se você se garante no conhecimento que possui, não cobre
barato. Você será desrespeitado de todas as formas possíveis e imagináveis se
trabalhar barato para "conquistar clientela".


50% dos possíveis clientes, inclusive os honestos, lhe pedirão desconto. E em
geral eles têm perfeita noção do valor do seu trabalho, mas também sabem que
sempre existe uma chance de "tirar" um pouquinho do preço. Particularmente,
sou um inimigo feroz tanto de pedir como de dar desconto. Dá a sensação ruim
de que seu serviço está sendo comprado ou vendido tal como fosse um cacho de
bananas na feira. Nem uma prostituta merece tamanha humilhação.

(Eu poderia começar a falar como o trabalho das prostitutas é semelhante ao dos
consultores de informática, mas essa fica pra outra hora.)

Para defender-se disso sem parecer antipático ou sovina, recomendo adotar uma
das estratégias a seguir:

- Se o cliente é um contumaz pedinchão de descontos, mas vocês têm um bom
relacionamento, majore seu preço na exata proporção do desconto que ele
costuma pedir. Um cliente meu, que por sua vez também presta serviços de
informática, usa desse expediente com relativo sucesso;

- Justifique seu preço com base em critérios sólidos. Se você propôs um preço
de empreitada baseado no provável número de horas que vai levar para executar
o serviço, acredito que não há margem para descontos;

- Se seu preço de empreitada carece do critério acima, justifique o preço com
base na RESPONSABILIDADE.

Por exemplo, instalar o Linux com DNS autoritativo para o domínio, proxy e
servidor de e-mail, pode levar apenas 3 ou 4 horas para o consultor
experimentado. Porém um computador exposto à Internet é um filho que se
colocou no mundo: quer goste ou não, você terá de tomar conta dele para
sempre, e eventualmente vai perder o sono por ele. Em palavras menos poéticas,
é uma grande responsabilidade que você assumiu, e seu cliente vai invocar isso
no dia em que for invadido por hackers ou por um ex-funcionário zangado.

Das duas, uma: ou o cliente lhe paga todas as horas em que você se
"incomodar" com o sistema dele dali por diante, ou você deve cobrar um bom
extra na instalação, ciente de que você está moralmente obrigado, por anos a
fio, a avisar seu cliente de novas vulnerabilidades que apareçam etc.

Se algum cliente não quiser pagar o que você pede, argumentando que "ah, você
só vai levar 1 hora para fazer isso, não vou pagar o que você pede, meu
sobrinho vai fazer isso pra mim por $50", não se incomode. Dentro de alguns
meses, ele será invadido e você poderá vender a ele serviços de auditoria de
segurança, cobrando muito mais caro - e ele pagará de bom grado, e você ainda
poderá passar um sermão nele se for do seu gosto ;)


Uma forma de mascarar um valor/hora mais alto que o "padrão do mercado" é
trabalhar por empreitada, ou seja, cobrar um valor total por um trabalho.
Empreitada é uma faca de dois gumes, e para não sair tosquiado, siga os
conselhos abaixo:

- Defina detalhadamente o trabalho a ser feito, com cláusula extra de
especificidade. Aposte a sua mão direita (a esquerda, se for canhoto como eu)
que seu cliente tentará fazê-lo trabalhar além do previamente acordado, MESMO
que haja contrato escrito. É uma forma velada de obter um desconto, e como
vimos, é da natureza humana pedir desconto.

E seja firme na hora de cobrar o extra-contrato ;)

- Se você orçou 15h de trabalho (10h + spread de 50%) e na nona hora o
computador do cliente queimar, você gastará no mínimo mais dez horas, num
total de 19h, ou seja, 4 a mais que o orçado. Seu cliente é quem deve pagar
por horas extras decorrentes de falha de equipamento, de outros fornecedores,
do próprio cliente ou mesmo de fatores de força maior. Se sua consciência
pesar quando for propor semelhantes condições ao cliente, saiba que eu NUNCA
VI contrato de prestação de serviços que estipulasse coisa diferente disso.

E seja firme na hora de cobrar o extra-contrato ;)

- Contradizendo um pouco os pontos anteriores, seja um pouco flexível
também. Se o cliente é honesto e tem um potencial de faturamento de 100h/mês a
$65/hora, não vá brigar com ele porque você despendeu 5 minutos não-cobráveis
trocando uma placa de rede. Não cobre mesmo que ele queira pagar. Premie a
honestidade dos outros, assim como você pretende que os outros premiem a sua.

Resista à tentação de extorquir os parceiros de boa-fé. Se você o fizer,
estará no mesmo patamar dos seus piores clientes.

- Faça contrato escrito, para que, em caso de inadimplência, você possa cobrar
pelo seu trabalho em juízo. Colocar bombas-relógio em programas ou servidores
NÃO É BOA IDÉIA - pode inclusive lhe trazer problemas jurídicos à luz do
código de defesa do consumidor. Por mais que eu e você achemos que uma
bomba-relógio é moralmente aceitável, não a usemos.

E lembre-se que se você tem uma carteira de clientes contumaz má pagadora, a
culpa é um pouco sua também:

- Selecione seus clientes. Se for o caso, analise as credenciais financeiras,
contábeis, bancárias e fiscais. Fazem isso com você quando você compra $100 de
roupas a prazo, não fazem ? Ora, se você vai fechar um contrato de grande
porte, em que você vai trabalhar meses a fio para um cliente, lembre-se que
sua subsistência vai depender em grande parte daquele único cliente. Se ele
falir, você falirá também.

- Em grandes contratos, cuidado com a síndrome dos 99%. Você obriga-se a
prestar um serviço com duração prevista de 6 meses, recebimento no final
mediante cumprimento de todos os itens do contrato. Tenha a mais cabal certeza
de que esse cliente lhe pedirá uma série de "favores" adicionais ao final do
serviço, e mais alguns, e talvez mais outros, e talvez ainda diga que você fez
um péssimo trabalho. Seu cliente sabe que você está há 6 meses sem renda, e
que precisa desesperadamente do dinheiro.

"Meu deus, você é paranóico. Você sequer VIU isso acontecer alguma vez ?" Já
aconteceu comigo três vezes, não como consultor independente, mas quando era o
único empregado de uma pequena empresa de informática, há muito tempo.

Considere-se avisado. Estabeleça recebimentos parciais à medida em que o
trabalho avança, mormente aos objetivos parciais e/ou finais previstos no
contrato. Se seu cliente for mal-intencionado, pelo menos você terá perdido
apenas um mês de trabalho, e não um ano. Se o seu cliente considerar-se
desprotegido, insira um cláusula de devolução dos pagamentos parciais em caso
de desistência por iniciativa do fornecedor.



Como já foi dito antes de outra forma, COBRE PELA RESPONSABILIDADE QUE VOCÊ
ASSUME. A responsabilidade é um serviço altamente vendável, e por um preço. O
que você não pode fazer é assumir responsabilidade sem cobrar por isso. Um
exemplo eu já dei: instalar um link com a Internet sem cobrar um extra pela
responsabilidade subjacente. Outros exemplos:

- estar disponível 24h/dia, 7 dias/semana para eventualmente dar manutenção
local ou remota a sistemas de clientes. Ou o cliente paga um fixo + horas por
isso, ou paga somente um valor/hora, realmente alto. Pense que é um negócio da
China para seu cliente, pagar $1200/mês por sua disponibilidade 24x7 do que
pagar $2000/mês por um funcionário que só trabalha 8 horas por dia, não tem
celular e viaja à cidade natal todo fim-de-semana. (A família do funcionário
em questão mora na zona rural de Dionísio Cerqueira e não tem telefone.)

- em qualquer outra situação em que o cliente "assume" que você tem
responsabilidade subjacente.

- se você trabalha em conjunto com um parceiro comercial qualquer, pode ser
que ele esteja levando a parte do leão, porém as responsabilidades efetivas
acabam divididas meio-a-meio. Nesses casos, não cobre por hora - cobre por
empreitada com um bom spread, ou deixe claro desde o início de quem será a
responsabilidade.

E sempre existe a questão do bom-senso quanto ao cliente honesto. Se o cliente
lhe proporciona um alto faturamento mensal, você pode considerar a
responsabilidade como parte do "pacote", e é um grande negócio pois seu cliente
confiará cada vez mais em você, e continuará demandando seus serviços.




4) "Quem é justo no pouco é justo no muito ..." (Frase bíblica)

Procure não discriminar seus clientes. Por exemplo, cobrar pouco de clientes
pequenos e enfiar a faca em clientes grandes.

Um fato pouco conhecido é que o FATURAMENTO ESPECÍFICO das empresas é mais ou
menos uniforme, dentro de um mesmo ramo de atividade. Por faturamento
específico entendemos o faturamento bruto dividido pelo número de empregados.
Se isso é verdade, então podemos supor com relativa certeza de que a
capacidade de investimento das empresas, proporcionalmente a seus tamanhos,
também é mais ou menos uniforme. Portanto, seu trabalho vale o mesmo para
empresas grandes e pequenas - a única diferença possível é que empresas
grandes serão mais complexas e você passará um número de horas maior dentro
delas, dada uma tarefa qualquer.

Lembre-se também que:

- empresas pequenas são mais ágeis, podem ser MUITO lucrativas e eventualmente
crescem. Às vezes, crescem MUITO rápido e você está ali, crescendo junto com
elas;

- empresas grandes tendem a ter uma cadeia de decisão longa e sujeita a
fatores políticos, ou mesmo corrupção pura e simples. Isso explica a
dificuldade da "entrada" de um novo fornecedor em uma grande empresa;

- se você discriminar clientes por qualquer critério, vão acabar descobrindo.
Na melhor das hipóteses, você acabará cobrando o seu menor valor/hora de todos
os clientes; e na pior das hipóteses, os clientes que se julgaram discriminados
vão dispensar seus serviços.




5) VARIÁVEIS DE AMBIENTE - "Santo de casa não faz milagre"

Se você é consultor em uma cidade que não seja uma das capitais, certamente
será mordido vez ou outra pelo ditado acima. É um problema sério - os bons
profissionais não são valorizados em suas cidades de origem. As empresas pagam
fortunas por um profissional de fora, enquanto acham que o seu pessoal local é
lixo. Os consultores então migram para uma cidade maior para não morrer de
fome, e finalmente eles podem prestar serviços às empresas da sua terra natal,
e ganhando um bom dinheiro.

Já dizia um ditado alemão que "a grama do vizinho é mais verde". Não há como
escapar totalmente disso. Se o grau de discriminação em sua cidade for
suportável, e não impede de você ter uma renda digna, é relativamente fácil
engolir uns sapos de vez em quando.

Outro fator, subproduto do ponto acima, é o pão-durismo do pessoal local para
com o próprio pessoal local. Esse é um problema sério em Joinville, e
possivelmente na maioria das cidades de médio porte. Quando um cliente tenta
baixar o preço de sua proposta, subliminarmente ele está lhe dizendo: "Se eu
quisesse um trabalho de boa qualidade, contratava alguém de Blumenau,
Florianópolis ou São Paulo; porém estou lhe dando essa chance e você tem de
aceitar o que eu quero lhe pagar !". Não é exatamente um recado animador...

Você tem de ter em mente que:

- Capacidade técnica não tem bandeira;
- Ninguém faz milagres.

Seja firme, coloque as coisas dessa forma e seus clientes reconhecerão seu
valor. Ou, na pior das hipóteses, você muda de cidade e tudo acaba bem ;)


Minha experiência pessoal acerca desses problemas é interessante. Fora meus
cilentes "de legado", de quem eu fui funcionário em alguma época da vida,
NENHUM orçamento solicitado por clientes de Joinville emplacou. Para ser mais
exato, tive apenas UM cliente local que não era de legado (e que me pagava por
hora). Por outro lado, fiz muitos trabalhos fora de Joinville e fora até mesmo
de Santa Catarina, mediante orçamentos bastante "salgados" (devido aos custos
de deslocamento, garantia quando a eventuais "surpresas" quanto aos reais
problemas do cliente etc. etc.) e que foram aceitos sem discussão.

Particularmente em Joinville, existem inúmeras empresas de informática com
capacidade técnica medíocre. Como há pouco tempo atrás a microinformática
destinava-se apenas a empresas pequenas e/ou tarefas de pequena complexidade,
o pessoal se acostumou a comprar serviços extremamente baratos. Eu mesmo
cheguei a fazer um sistema de contas a pagar/receber e faturamento por 50
dólares. Tá certo que eu tinha 17 anos na época, mas se o sistema funcionava
bem, que diferença faz ? (Aliás, usam-no até hoje, é incrível...)

Enfim, hoje a microinformática está tomando até o lugar dos mainframes, e os
desafios impostos aos consultores são proporcionalmente maiores. Mas as
empresas continuam acostumadas a pagar $50 por *qualquer* coisa, seja um
mísero programa em Clipper ou um complexo sistema de e-commerce via Internet,
com as respectivas implicações de segurança e tal.

Verdade é que *existe* um mercado para os Clippeiros, para os que aceitam
fazer sistemas por $50. O conhecimento desse pessoal é proporcional à sua
renda, e é melhor ter alguma renda do que nenhuma. O que não é aceitável é
considerar maldosamente todo e qualquer serviço prestado como "de informática".




6) CONHECIMENTO

Não tente prestar serviços naquilo que você não conhece bem. Você apenas
perderá o cliente.

No momento em que escrevo este texto, ainda não sei muito bem instalar Oracle.
E eu tinha um cliente que precisava desse trabalho. Então, aconselhei que eles
procurassem outra empresa ou consultor. Ora, uma empresa disse ao meu cliente
que "yes, nós temos Oracle". O que ela fez: mandou para lá um consultor com a
cópia impressa do roteiro de instalação (não sei se foi o roteiro da Conectiva
ou um desses que estão voando na Internet).

Resultado previsível: ele não conseguiu instalar o Oracle, e meu cliente
disse que nunca mais vai contratar serviços daquela empresa. Como eu mesmo
disse a eles depois: seguir o script eu também sei, mas em caso de problemas (e
sempre há problemas), o que fazer sem o devido conhecimento ?

Seja honesto. Seja o primeiro a admitir que não tem conhecimento imediato
sobre qualquer assunto, e seja bom também em calcular quanto tempo você
precisará para assenhorear-se do assunto. Seu cliente apreciará sua
honestidade e muito provavelmente esperará até você dominar o conhecimento que
faltava.




7) INADIMPLÊNCIA

Absolutamente todo prestador de serviços autônomo enfrentou ou vai enfrentar
esse problema. Esteja preparado. Se você selecionou seu cliente de forma
criteriosa, o risco cai bastante, mas mesmo ele pode sofrer um revés
financeiro e ser obrigado a retardar seu pagamento - caso em que você terá de
ter alguma compreensão.

Uma "armadilha" em que eu caí é prestar serviços a uma empresa contumaz má
pagadora, como parte de um esforço conjunto com outra empresa de software. Nem
eu nem a outra empresa recebemos. Como o valor em questão era pequeno, serviu
como lição - não é porque você tem parceria com alguém, que tem de engolir os
respectivos clientes. Mas, e se fosse um valor elevado, digamos, algo em que
você trabalhou com exclusividade o mês inteiro ? Das duas, uma:

- Reserve-se o direito de selecionar seus clientes; ou
- Estabeleça uma condição de regressividade, ou seja, o seu parceiro comercial
que compeliu você a prestar serviços ao inadimplente deverá pagar por seus
serviços e "segurar o mico" sozinho.

Pode acontecer também - e agora eu estou teorizando, não cheguei a enfrentar
problema igual - que seu parceiro comercial e o cliente se estranhem. Suponha
que eles têm um contrato de $100.000, e sua parte é apenas $500. Aí o cliente
diz (talvez com razão) que não vai pagar horas técnicas porque o valor fixo do
contrato já suficientemente elevado e deveria prever todas as despesas
subjacentes ao cumprimento do trabalho. Ótimo, mas... e se você, consultor
independente, ia receber por hora ? Moralmente, seu parceiro comercial lhe
deve $500, mas saiba desde já que não será fácil receber esse dinheiro, salvo
haja acordo prévio de regressividade.





8) O ENIGMA DA PIRÂMIDE

Você certamente ouvirá outros consultores falando sobre contratos
mirabolantes, onde ganharam dezenas de milhares de dólares por trabalhos que
você faria em algumas poucas horas. Você certamente sentir-se-á humilhado
porque sente-se mais tecnicamente preparado que o falastrão em questão, e
mesmo assim tem de lutar para manter um nível de renda digno.

Não estou dizendo para você ficar feliz com a desgraça alheia, mas saiba desde
já que o mundo está cheio de falastrôes. Quando uma coisa é boa demais para
ser verdade, existe uma chande de 97% de ela ser realmente falsa.

Pessoalmente, conheço de vista um consultor que já falou diversas vezes sobre
contratos altamente rendosos, porém não o vejo enriquecer nem abandonar os
clientes "comuns", que lhe proporcionam uma renda apenas média. Ou ele gasta
muito dinheiro - e isso a gente vê, quando acontece, pela ostentação de bens
de consumo como roupas e carro novo - ou definitivamente ele acredita demais
em expectativas que acabam não se realizando.

O título "enigma da pirâmide" invoca justamente as pirâmides financeiras,
aqueles esquemas em que você gasta $100 e ganha $800 de volta, desde que
consiga arregimentar elementos para formar a sua própria pirâmide. Esses
esquemas sempre acabam mal, exceto para uma meia dúzia de espertalhões. E a
razão é estupidamente simples: não se fabrica dinheiro a partir do nada.

E por essa mesma razão, dificilmente uma empresa pagará milhões por um serviço
que não vale isso. Eventualmente, *pode* acontecer de um consultor colega seu
conseguir um contrato mais rendoso que a média, mas isso é raro.

E por ser raro, nenhuma "história" contada por falastrões justifica uma
mudança de atitude de sua parte. Não deixe de ser honesto apenas porque você
julga-se preliminarmente mal remunerado - digo *preliminarmente* pois o
julgamento a respeito de sua própria renda está se baseando em histórias
mentirosas.

Certos consultores têm algo em comum com jogadores do bicho e apostadores
amadores em ações da Bolsa: só falam quando ganham. Porém, cada vitória
(produzida unicamente por fatores aleatórios) é descompensada por inúmeras
perdas, sendo que o resultado líquido final é nulo ou fracamente positivo.
Se você, que não é amigo de jogos de azar, começa a apostar no bicho porque um
amigo seu ganhou uma bolada, não seria essa uma atitude idiota ? E é de igual
idiotice acreditar em pirâmides e contratos leoninamente vantajosos.




9) "DIVULGAREMOS SEU TRABALHO"

Um truque que seus clientes vão tentar usar contra você, para obter serviços
baratos ou de graça é a promessa de divulgação de trabalho. Existe uma chance
de o cliente estar falando sério, mas eu NUNCA vi, pessoalmente, isso
acontecer. O máximo que geralmente acontece é o cliente dizer que "conhece um
pessoal que trabalha direito e bem baratinho...", o que certamente não é o
tipo de propaganda que você deseja para seu trabalho.

Se um cliente de boa-fé gostar do seu trabalho, ele vai divulgá-lo sem
precisar receber nenhuma vantagem por isso. De qualquer forma, tenha certeza
que, se você fizer um trabalho ruim, seu cliente também vai comunicar esse
fato a terceiros, com ainda mais "eficiência"...

Pessoalmente, sinto que os clientes de quem cobrei mais caro, são os que me
levaram mais a sério e foram o contato ou apoio mais sólido para novos
negócios. E *então* eu ofereci, como cortesia, um treinamento grátis ou deixei
de cobrar alguns telefonemas de suporte técnico. Aí já entramos no terreno do
vínculo de amizade que você tem com seu bom cliente, o que também é importante.




10) "VOCÊ TERÁ ACESSO A ESSE EQUIPAMENTO, NÃO É O MÁXIMO ?"

Isso já aconteceu comigo diversas vezes, mas não como consultor, e sim quando
fui candidato a empregado. O cliente ou empregador tenta impingir como
"vantagem" o fato de você ter acesso e poder mexer em equipamentos
sofisticados e com grande sex-appeal e.g. workstations RISC.

É claro que, como técnicos, nós gostamos quando temos a oportunidade de usar
e abusar de equipamento decente, mas isso em hipótese nenhuma pode justificar
a aceitação de um salário (ou honorário) baixo. É uma tentativa extremamente
maldosa de utilizar seu "lado nerd" contra você mesmo.

E é incrível o número de pessoas, especialmente pessoas abaixo dos 21, que
caem nesse truque. É como querer que o escravo ame a chibata, só porque ela
tem duas cintas e pode golpear duas pessoas ao mesmo tempo, portanto ela é
"multitarefa". Ok, exagerei de novo. Mas tenha sempre em mente que
equipamentos e softwares SÃO FERRAMENTAS, E SÃO O MEIO, NUNCA O FIM, DO SEU
TRABALHO. Se você ama determinado tipo de equipamento, compre um só para você e
faça amor com ele em casa.




11) DIVULGAÇÃO

Confesso que minha experiência nessa área não é boa, mas do alto da minha
ignorância, pude constatar que a única divulgação eficiente do trabalho de um
consultor é através do boca-a-boca que seus clientes satisfeiros fazem. Outros
consultores já me disseram o mesmo. Alguns fatos que observei corroboram essa
opinião:

- Quando eu era gerente de informática, via de regra jogava fora todo o
material institucional que recebia, e não atendia fornecedores que queriam
"marcar uma reunião para conversar" ou "trocar idéias". Estaria jogando fora
o meu tempo e o dos fornecedores. Quando eu efetivamente precisava de produtos
ou serviços de qualquer gênero, eu pesquisava na Internet e/ou falava com os
amigos para determinar um bom fornecedor.

- Diferente do que eu fazia, a maioria dos gerentes de informática até recebe
vendedores e consultores, ouve o que eles têm a dizer e tal, mas esse tipo de
contato dificilmente estabelece uma relação comercial imediata. Também muitos
gerentes de informática guardam folders e panfletos mas duvido que recorram a
eles na hora que realmente precisam de algum serviço.

- Quando eu comecei a trabalhar como consultor, mandei exatamente 47 folders
com um perfil e tipos de trabalho que eu poderia prestar e tal. Eu já
pressentia (devido a meu próprio modus operandi quando estava "do outro lado
da mesa") que essa forma de divulgação não daria muito resultado, mas o fato é
que não deu NENHUM resultado. O único retorno foi o de uma empresa industrial:
uma carta-padrão dizendo que meu curriculum vitae foi armazenado no banco de
dados porém não há vagas a preencher na área de informática. Definitivamente
minha propaganda não foi bem entendida...

Pelo que já falei até agora, é possível deduzir que meios de propaganda de
massa definitivamente não funcionam na área de informática, certo ? Existe
ainda a dificuldade adicional da cultura: consultoria independente, como
pessoa física, não é algo muito bem aceito no Brasil.

Mesmo que você trabalhe sozinho, precisará dar uma roupagem jurídica a seu
trabalho i.e. criar uma pequena empresa. Não pode ser microempresa, pela
natureza não industrial (ou não braçal, vamos usar o português correto :) do
serviço.

- Por outro lado, no caso específico do Linux, uma providência que tomei e foi
muito eficiente na conquista de novos clientes foi a certificação e cadastro
da minha empresa como centro de suporte. Imagino que isso funcionou porque
estabeleceu um "foco", no jargão dos marketeiros: pessoas que já estavam
tentando usar Linux e precisavam de ajuda imediata por terem encontrado alguma
dificuldade.

Então, esta seria uma luz no fim do túnel a respeito de divulgação: o foco.
Se, por exemplo, você especializar-se em segurança de sistemas, você deve
arranjar um meio de que, quando alguém pensar em e.g. auditoria de segurança,
associe imediatamente tal necessidade com a SUA empresa.

- Ser conhecido no meio "open-source" ou "hacker" não contribui em quase nada
para divulgação do seu trabalho remunerado. Isso é experiência particular.

Antes de continuar, quero deixar bem claro que eu JAMAIS fiz trabalho
voluntário com o intuito de me auto-promover. Sempre fiz questão de manter
uma forte isolação entre voluntariado e consultoria. Tanto é assim, que meu
período de voluntariado mais profícuo foi no inverno de 1998, quando eu ainda
era empregado e o Linux era bem menos conhecido do que hoje em dia.

Mas é fato que o meio open-source/hacker é um universo paralelo e separado do
universo corporativo. Existem pouquíssimas pessoas com trânsito concomitante
nas duas esferas. Via de regra, as pessoas que lidam com programas
open-source e lêem artigos não precisam de sua ajuda, quer gratuita, quer
paga.

Portanto, esteja avisado - faça trabalho voluntário, mas com a intenção certa
e o coração puro! Do contrário, você terá decepções.

- Por outro lado, proferir palestras, escrever artigos para revistas ou
jornais ou eventualmente prestar um favor a alguém pode ajudar muito, porque
atinge justamente aquele "outro" universo, que é onde está o dinheiro :)
Até mesmo ser instrutor numa escola pode ser uma boa fonte de contatos.

Note que exercer gratuitamente ou "baratamente" as atividades relacionadas
acima contradiz um pouco o que foi dito logo no início deste texto ("não
trabalhe de graça"). O caso é que as ações acima são cuidadosamente calculadas
para você se fazer ver pelo público. É totalmente diverso de trabalhar de
graça numa empresa onde ninguém, talvez nem os próprios donos da empresa,
conhecerá seu trabalho.

Falar em público é um problema sério para a maioria das pessoas, como foi para
mim mesmo, no início. Seja teimoso consigo mesmo e treine. Na primeira vez,
escolha um público eminentemente técnico (que estará interessado no que você
tem a dizer, não no COMO você está dizendo, se está olhando pro chão etc.), e
depois vá enfrentando 'desafios' progressivamente maiores, como público menos
técnico, maior número de pessoas etc. Comigo funcionou milagrosamente bem.

- Realmente não preciso dizer que vestimenta, vocabulário e atitudes adequadas
ao ambiente são essenciais, não é ? Visual hippie pode parecer maneiro e
combinar com o visual dos niggas da escola, mas isso o matará como consultor.
Quando você tiver 40 anos e sua filha de 13 aparecer com um namoradinho nessas
condições, aposto minha alma como você não achará isso muito maneiro.

- Alegar experiência como hacker pode ser contraproducente. Deixando de lado
as questões morais (que são BASTANTE nebulosas quando se debate o tema
"hacker/cracker"). Se eu penso em contratar um auditor de segurança de
sistemas, e o candidato alega ter invadido os sites X, Y ou Z, eu posso
deduzir que ele é um "lamer", ou seja, alguém que simplesmente pega scripts e
exploits prontos e usa. Isso não o torna capaz de auditar segurança. Por outro
lado, se o cara me diz que um arquivo de comprimento negativo é capaz de
abendar os programas A, B e C, está demonstrado um conhecimento sólido acerca
do modus operandi de uma vulnerabilidade, e este sim será capaz de auditar
segurança.

Meu conselho, dado como um tiro no escuro porque não sou hacker, é não usar
diretamente tal experiência como propaganda. (Mas, se a fama se espalhar por
outros meios, pode surtir efeito positivo.)

- Outra ferramenta poderosa de divulgação é a associação com outras empresas
de software ou consultoria, de preferência de maior porte. Se você souber
administrar os potenciais problemas que tais associações podem trazer (vide
tópicos anteriores), pode ser uma grande e automática fonte de novos clientes.

Sucedeu comigo de o relacionamento com um único cliente, conquistado por essa
via, tornar-se mais forte que o relacionamento com o próprio parceiro
comercial!

Apenas, tome cuidado com a síndrome do "divulgaremos seu trabalho" :) Um
acordo razoável seria cobrar menos do parceiro comercial do que dos clientes
normais. É o que eu fazia e era justo.




12) ATITUDE PROFISSIONAL

Alguma coisa sobre isso já foi falado no tópico acima (roupa, atitude, cabelo
etc.) Nesse tópico eu gostaria de lembrar alguns pontos também "óbvios" como:

- pontualidade;
- discrição;
- organização;
- a faculdade de engolir sapos e sair incólume de situações de "saia justa".

Como eu disse, são coisas óbvias porém é incrivelmente difícil a certas
pessoas ser organizado e pontual - sendo que a noção de pontualidade engloba
inclusive você estar disponível para telefonemas e consultas em horário
comercial.

Ser consultor independente tem a vantagem da liberdade. Você, a priori, não
está preso a horários. Se você precisa levar o cachorro para vacinar no meio
da tarde de quarta-feira, você pode fazê-lo sem qualquer problema, a não ser
que você deixe de atender um cliente por causa disso :) Mas, deve-se resistir
à tendência de usar o dia para resolver assuntos pessoais.

Eu falo isso por experiência própria - se você não tomar cuidado, usará uma
porcentagem cada vez maior de horas comerciais para resolver problemas
pessoais, e terá de compensar isso trabalhando à noite e nos finais de semana.
No meu caso, o problema foi agravado pelo fato de eu GOSTAR de trabalhar em
horários "extras" - porque o telefone não toca, a temperatura é mais amena, a
conexão à Internet é mais barata e rápida etc.

Como eu já disse, tive problemas em definir um frame de tempo dedicado ao
trabalho remunerado - mas que foi na maioria das vezes substituído por
atividades que ainda tinham relação com o trabalho. Desorganização é um traço
perdoável e até comum entre profissionais de informática.

O que eu nunca fiz, mas infelizmente há quem faça, é ir para a praia e
desligar o celular na sexta de manhã, para retornar à civilização na segunda à
tarde. Isso denota um completo e total descaso com os problemas dos clientes,
e (com a ajuda da Leis de Murphy) o castigo chegará logo.

Outro aspecto é a questão das férias. Ser consultor implica em você nunca
tirar férias prolongadas e/ou distantes mais de 100Km da sua base de
operações. E, como férias prolongadas diminuem muito seus rendimentos, é
provável que você acabe encurtando bastante, ou mesmo não tirando férias, no
sentido "strictu sensu" da palavra. (Se aproveitar os fins-de-semana no verão
lhe é suficiente, então está tudo bem :)






13) MANTENDO-SE ATUALIZADO

Ser consultor em Linux, como vimos, é ser uma espécie de "sabe-tudo", conforme
já vimos. Então você terá de investir continuamente em aprendizado, tanto para
atualizar seus conhecimentos preexistentes como para adquirir novos.

Eu sempre gostei de ler, e portanto de comprar livros. Não gosto muito de
documentação on-line, e quando acho alguma coisa boa, imprimo para então ler
com calma antes de dormir. Isso torna meu processo de aprendizado um pouco
mais dispendioso (até porque os melhores livros de informática não se acham na
livraria da esquina - é-se obrigado a importar muita coisa). Também sinto
conforto psicológico em saber que existe a possibilidade de buscar o
conhecimento mesmo que não haja eletricidade ou um computador funcionando.

Se você gosta de ler documentos on-line e tem memória tão boa que não sente
necessidade de imprimir nada para consulta posterior, você tem sorte e poderá
desenvolver seus conhecimentos a um custo menor.

Porém, seja qual for sua situação, LEIA LOGO E SEMPRE. O custo mais
proeminente do aprendizado é o seu tempo, despendido nesse mister. Disso
ninguém escapa.

Também procure evitar ler e armazenar "receitas de bolo". Receitas de bolo são
pequenos textos que instruem a resolver determinada situação, de um enfoque
eminentemente prático. Porém, uma vez absorvida a receitinha, você será capaz
de resolver APENAS aquele problema. Procure entender o que acontece nos
bastidores, ou seja a TEORIA de funcionamento dos softwares, equipamentos e
protocolos. Isso lhe capacitará a resolver uma gama muito maior de problemas.

(E é claro, se você *escreve* receitas de bolo como parte de seu esforço
pró-Linux, tente incluir alguma teoria para iluminar um pouco o conhecimento
de quem vai ler seus textos.)

- Inscreva-se em listas de discussão. Se você é consultor em Linux é quase
certo que vai ter de ter algum conhecimento acerca de segurança de sistemas,
caso em que a inscrição numa lista como a Bugtraq ou CERT ser-lhe-á útil.

- Novamente, *escreva* alguma coisa - artigos, HOWTOs, relatórios, coisas
assim. Embora o objetivo principal seja ajudar na causa open-source, o fato é
que é MUITO instrutivo escrever sobre alguma coisa. É certo que você terá de
fazer alguma pesquisa mesmo que ache que saiba muito sobre determinado assunto.
Resultado: você dominará aquele mesmo assunto num nível jamais imaginado.




14) É BOM SER CONSULTOR ?

Pessoalmente eu acho que ser consultor não difere muito de ser empregado,
porém com a vantagem da liberdade, em múltiplas facetas:

- determinar seu próprio horário e ritmo de trabalho;

- aprimorar seu conhecimento no volume e na direção que VOCÊ quer. Nada pode
ser pior do que você ser forçado a estudar/usar um produto que não gosta;

- ter sua renda e reconhecimento baseados primariamente em SUA capacidade.

Liberdade para mim é importante, mas não o é para a MAIORIA das pessoas - o
que de certa forma explica a popularidade dos regimes ditatoriais e
semi-ditatoriais pelo mundo afora.

Infelizmente, há quem pense que ser consultor autônomo implica em diminuição
de responsabilidade. E há quem "embarque" nesse sonho, deixando um rastro de
clientes insatisfeitos e/ou vivendo no limite da inanição.

Também há quem superestime seus conhecimentos, com as mesmas conseqüências.
E sou o primeiro a admitir que fiz isso. Meu conhecimento em Linux era bastante
bom quando tornei-me consultor, mas eu tive de elevá-lo a um nível MUITO mais
alto, num curto espaço de tempo, para atender à clientela.


E, para finalizar, volto a frisar o que eu disse no início do documento. Eu
acredito que o espaço para consultores independentes tende a crescer
exponencialmente, e não só pela generalizada adoção do open source. Num futuro
próximo, ser consultor pode não ser mais opção, e sim a única forma concebível
de se trabalhar.

O trabalho formal vulgo "carteira assinada" está com seus dias contados.
Basta dizer que apenas 1/3 da população economicamente ativa do Brasil
trabalha com carteira assinada. Isso num país ainda bastante voltado à
atividades rurais/industriais e cujo povo, na média, está longe de ter a
bagagem cultural necessária para trabalhar fora da proteção da CLT. E onde o
conceito de consultor pessoa física ainda é mal digerido, pasmem !




Apêndice A. Você como empregado

Quando você for candidato a funcionário de qualquer empresa, enfrentará
problemas parecidos com os descritos nos tópicos dedicados à consultoria,
respeitadas as devidas proporções. Mas existe uma mentira adicional imposta
aos candidatos a empregado, que costuma aflorar em dois isótopos:

"TALVEZ FUTURAMENTE VOCÊ GANHE MAIS / NÓS POSSAMOS REVISAR SEU SALÁRIO"

"SEU POTENCIAL DE CRESCIMENTO AQUI É MUITO GRANDE"

Como eu sempre digo - é perfeitamente possível que seu candidato a empregador
esteja falando a verdade. Mas eu vi tal promessa ser cumprida apenas uma
vez: e, para minha sorte, foi comigo mesmo que aconteceu, no último emprego
regular que eu tive antes de tornar-me consultor. (Meu ex-patrão era um cara
realmente honesto, embora particularmente exigente. Sorte minha - conforme
será dito mais adiante, ser subordinado a uma diretoria forte é só alegria.)

Em geral, as frases acima são mesmo mentiras deslavadas. Os salários têm suas
próprias leis:

- crescem em proporção logarítmica ao longo do tempo;
- funcionam como um escore, ou sistema de pontos, dentro da empresa.

Ou seja, seu salário, além de ser o dinheiro que você vai usar para
sobreviver, é uma etiqueta colada na sua testa, que lhe dá sua exata
posição dentro da hierarquia da empresa. Se você pede um salário maior que o
oferecido, supondo que seja merecido, você não está apenas onerando em
$500/mês a folha de pagamento do seu empregador. Isso não é nada. O problema é
que você está pretendendo um lugar na hiearquia da empresa, que talvez não
poderá ser dado a você.

Ora, se a hierarquia de uma empresa assemelha-se a uma pirâmide, a
possibilidade de subida é como um funil: vai tornando-se gradativamente mais
difícil na medida em que você se aproxima do topo, devido à competição e ao
número reduzido de cargos superiores. Como seu salário é perfeitamente
proporcional à sua posição vertical na pirâmide, está aí a explicação
matemática de porque o salário cresce logaritmicamente.

Quem tem boas lembranças das aulas de Matemática, sabe que um crescimento
logarítmico é viçoso no início, mas depois torna-se uma curva praticamente
plana. Então, nunca, jamais espere um crescimento meteórico dentro de uma
empresa, particularmente se for uma empresa de médio ou grande porte.

Talvez haja planos de distribição de ações, que aparentemente podem até
ofuscar seu salário. Sou um pessimista de carteirinha a aconselho não contar
com esse tipo de ganho, pois:

- ações distribuídas a funcionários têm todo tipo de restrição à venda.
  Tipicamente a única coisa que têm em comum com uma ação da Bolsa é o nome ;)

- geralmente são oferecidas por empresas da "nova economia", cuja chance
  de vingar é pequena. Empresas grandes, bem consolidadas e sem possibilidade
  de crescimento meteórico não têm motivos para distribuir ações a funcionários.

- Numa combinação perversa dos dois fatores, tipicamente será impossível vender
  as "suas" ações na alta. Quando elas maturarem, a empresa poderá nem existir,
  ou ter um valor irrisório, girando em torno de centavos por lote de 1000 ações.

Esse problema só tem uma solução: PROCURE ENTRAR COM O MAIOR SALÁRIO POSSÍVEL
- porque você vai ter de conviver com ele por um looooooongo tempo.

E é claro, se a lei dos logaritmos aplicada à determinada empresa diz que você
receberá aumentos de

30% no primeiro ano
20% no segundo
10% no terceiro
e mais 5% a cada 3 anos de casa,

é óbvio que, quanto maior seu salário inicial, mais volume fará no seu bolso
cada uma das porcentagens acima.

Dentro de uma empresa, espere encontrar problemas de ordem política tão ou
mais ferozes do que aqueles que enfrentaria como consultor. A zona de conflito
mais proeminente é entre gerencias técnicas e não-técnica, e a briga entre
gerências vai contaminar os respectivos vassalos.

Outro problema que você vai enfrentar se estiver na posição de líder ou
gerente de informática, é que algum outro gerente não-técnico tentará anexar
sua área à dele, com as seguintes intenções:

- fazer com que a área de informática dê mais atenção àquela outra área;
- o outro gerente quer colher (inclusive financeiramente) os méritos do setor
de informática.

Só existem três saídas para evitar esse problema:

- ou você tem autonomia assegurada por estatuto; ou
- você é o diretor de informática e pode usar de meios truculentos para
repelir a invasão; ou
- você é hierarquicamente subordinado à uma diretoria forte que vai fazer
uso dos tais meios truculentos (ideal, pois sempre poderá alegar que "não
tinha nada contra" os seus inimigos ;)

Não superestime seu poder. Acima de tudo, não tente jogar o jogo do poder;
sempre há alguém mais esperto que você. Ou não necessariamente mais esperto,
porém com um trunfo inexorável na mão. Exemplo: a gerente de marketing (*) tem um
caso com o diretor-presidente. Se você entrar em rota de colisão com ela,
esteja preparado para o pior. Num caso desses, eu aconselharia (infelizmente
por experiência própria) ficar na moita e ter um bom relacionamento com a área
de marketing. Um belo dia a esposa do "big boss" vai se irritar e muito
provavelmente você se verá livre da sua querida congraduada sem mover uma palha.

(*) O cargo real da "figura" era outro, mas se eu revelar esse dado, vai
ficar MUITO facil adivinhar de quem se trata ;))


Eu recomendaria a leitura do livro "Jogo do poder na Empresa" (Power in the
Office), de Michael Korda. Mas como estratégia de DEFESA, nunca de ataque. Em
último caso, procure outro emprego.


Outra coisa: DOCUMENTE-SE. Por mais boa-fé que haja entre você, seus colegas
de trabalho e seu empregador, procure documentar seu trabalho, e
particularmente os incidentes mais estranhos e aquelas providências que você
sugeriu mas foram ignoradas por motivos quaisquer.

Se você disse que ter backups apenas da última semana é pouco, e que uma fita
por semana deveria ser resguardada para sempre, e não seguiram sua orientação,
obtenha a negativa por escrito. Um belo dia, um backup de 8 ou 9 dias atrás
SERÁ necessário e você será considerado culpado dos prejuízos conseqüenciais
da falta de fitas mais antigas. Se você tiver um documento assinado na mão,
pelo menos você não cairá sozinho. Minha experiência me diz que você não cairá
de jeito nenhum.


Por outro lado, resista à tentação de atribuir seus erros aos outros. Todo
mundo erra, e eventualmente erra-se feio. Seja honesto e admita o erro, e de
preferência seja o primeiro a sugerir soluções. Se sua empresa é boa, é quase
certo que você será perdoado. É claro, procure não cometer erros graves todo
dia ! Por outro lado, se sua empresa é do tipo que "atira no mensageiro" e
costuma crucificar quem comete erros mesmo quando são em parte induzidos por
motivos de força maior - então está na hora mesmo de você procurar outro
emprego. Melhor ainda: saia ANTES de ser mandado embora.


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